1-Depois da ficção, como surgiu o teatro no percurso da sua escrita?
R- Escrevi a primeira peça em Setembro
de 1973, meses depois de me estrear com um livro de versos, e, já, com os
primeiros contos à espera de edição. Nestes, as dificuldades da vida rural e
dos pequenos ofícios, no Nordeste, conduziam à emigração, que saldava um
passado de dívidas. Mas resolver a economia familiar era insuficiente, e
solução passageira, se o país não se perguntava sobre outras saídas: por isso,
exigia-se liberdade de expressão, que a polícia persegue na figura de filho
universitário. Tal como “A pedra” do título sufoca um pai emigrante, doente e
sem futuro, assim cresce a revolta colectiva, após o funeral, resumida num
letreiro: «Queremos respirar!» Eis como, da ficção assente em quadros ou cenas,
com treino em diálogos (o que fez com que a quarta peça [1977] fosse por mim lida, primeiro, como
conto, editado em A Flor e a Morte, 1983), vim a um teatro político,
mais interventivo após o 25 de Abril.
2- Quais são as principais linhas
temáticas das suas peças?
R- Da denúncia e reivindicação de um
direito passei à hipótese de uma comunidade democrática, mau grado vícios que diríamos
segunda pele (Faca no Sol, 1974-1975). Era um teatro hierático, pausado,
contra a maré, em dias agitados. Daí, O Golpe (1975), neste ano de todos
os possíveis, também na cena internacional, entre golpes e contragolpes,
quadros soltos, sarcasmo, liberdade total ao encenador (como, aliás, em quase
todas as peças). Esse teatro de guerrilha, confrontando poderes, criava um impasse,
resolvido na violência de Guerra Civil (2019), que todavia, situei em
cenário fratricida árabe. Já o modo como o Poder se mantém – entre mentira,
manipulação, crime e ridículo, responsabilizando os meios de comunicação e
comícios de sono – inspirou Sábado (2012-2013) e Doença
(2016-2017). Assim, seis das onze peças entrevistam facetas do Poder. As outras
debatem relações interpessoais e as síndromes que escondemos (Jardim,
1977; Acidente, 1998-2000; Delírio, 2015). Salientaria O
Divino (2002), em que perpassam vidas nos últimos momentos de Almeida
Garrett. Síntese destas interlocuções e de novos poderes que nos afectam é a
derradeira, Pandemia (2020): sonhando-se romance com seis personagens (em
que estas aparecem segundo a lógica da sextilha) e 36 cenas resolvidas, no
Epílogo, por três vozes laterais, regresso ao pensamento originário de uma
respiração democrática, sem deixar de celebrar a medicina.
3-Qual a ideia que esteve na origem
desta antologia agora publicada?
R- Havia um trabalho secreto de 47 anos.
Editara poemas, novelas, contos, romances; centenas de crónicas na Imprensa; crítica,
ensaio, dicionarística e edição literária ocuparam-me 45 anos, inaugurados com
trabalho sobre A Morte do Papa, peça de Jorge de Sena; traduções do
húngaro, quatro décadas. Tinha uma dívida com a edição crítica da Exortação
da Guerra vicentina, a publicar; com a leitura anual da Castro
ferreirina e regular do Frei Luís de Sousa. Após o Théâtre de la Cruauté (1932) e Le Théâtre et Son Double (1938)
de Artaud e Un Théâtre
des Situations (1973) de Sartre, fiz récitas amadoras no Verão
Quente de 1975. É o género mais livre e participável, onde melhor cabem as falas de todos. Eu
próprio asfixiava, se não mostrasse este rosto desconhecido.
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