segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

 


Liliputine

 Liliputine (Guerra & Paz, 2023, 174 p.), nono romance de Ernesto Rodrigues, já está nas livrarias. 

Liliputine

Liliputine descreve momentos fortes da História europeia entre 1956 e os primeiros meses da invasão russa da Ucrânia. Factos e personagens (com os nomes alterados) são reais. 

 José de Arimateia e Maria de Jesus têm um filho, João Baptista, em 1956, e vivem as ilusões de uma Hungria livre. Arimateia participa no levantamento de Budapeste, conviva de Lukács Mária, que dera à luz um filho do embaixador soviético Yuri Andropov, e este rapta. Milhares de vencidos são desterrados para várias regiões da União Soviética. 

Arimateia vive em Kaliningrado até Agosto de 1968: intérprete no exército que invade a Checoslováquia e põe fim à Primavera de Praga, salva uma adolescente, Hana, em cuja casa se refugia até 1971. Recusando contactar os comunistas portugueses no exílio, entra na vida de Miroslav, editor do realismo socialista europeu e latino-americano, e da empregada Krista, trazendo esta família para Lisboa. 

Hana e João Baptista alimentam uma relação vigiada, suspensa entre 1979 e 1985, quando aquela acompanha Miroslav e Krista para Berlim Oriental – onde Lukács Mária lhe apresenta um espião soviético vindo de Dresden – e João Baptista faz espionagem (ou isso julga) ao serviço de Berlim Ocidental. 

Reencontram-se na Hungria e, em 1986, nasce Magda Baptista, hoje docente de Estudos Europeus, que organiza este romance-reportagem em 49 cenas muito cinematográficas. 

O glorioso 1989 separa o casal: Hana entrega-se, de vez, ao espião de Dresden, nascendo Boris. Foge com os filhos para Moscovo. Os bons ofícios de Lukács Mária são recompensados com a visita do filho István, que não voltará a ver. João Baptista busca a filha, enquanto cicatriza a dor pelas capitais do Ocidente e, na pele de jornalista, visita a Roménia – sem encontrar Miroslav e Krista, aí desde 1985 – do ditador Ceausescu em fim de ciclo. 

 Abandonada, Hana entrega Magda ao pai João Baptista, diplomata em Roma (1992). Já, com a Revolução de Veludo, Miroslav e Krista regressaram a Praga, onde Hana os visita, e sabe que o pai e mãe vivem em Moscovo. Cumprirá uma vingança, antes de, nas linhas finais, sofrer castigo. Sequestrada no silêncio, não acompanha o crescimento do filho, que encontra os verdadeiros avós, e se faz atirador de elite ao serviço do novo czar – seu pai –, cujo historial é parcialmente referido. 

João Baptista virara conselheiro em Moscovo; afastado desse cargo, regressa como administrador de empresas, fornecendo o palácio presidencial. 

Tarde percebemos que Lukács István, sósia de Putin, é o seu interlocutor: morto um, não se prossegue a mesma política? A invasão da Ucrânia obriga à fuga e a medidas solidárias que se impõem às democracias. 

 Liliputine funde As Viagens de Gulliver e sua ilha de Liliput com Putin(e), nome donde deriva ‘liliputinar’, cujos presente do conjuntivo e imperativo significam: «reduza Putin à sua pequenez ou insignificância». Olha-se ao complexo estalinista de quem, no seu metro e sessenta e oito, se sonha um novo Pedro, o Grande, com dois metros e três. No seu palácio de medos, a que é alheia a cultura russa e do qual fogem os que podem, anuncia-se o estertor de um genocida. É exigência das democracias morais que se queiram independentes defender os nossos valores.