domingo, 14 de dezembro de 2014

40 Anos de Vida Literária

Os 40 anos da minha actividade literária fecharam com jornada na Biblioteca Municipal, promovida pela Câmara e Academia de Letras de Trás-os-Montes. Guardo em mim a presença de muitos desde logo, de amigos muito chegados há 47, 38 anos, e menos: José Mário Leite, Alcides Rodrigues, João Manuel Neto Jacob, Marcolino Cepeda, Hirondino Fernandes, Teófilo Valdemar, Mara Cepeda. Alberto Fernandes não quis falar e só ele poderia falar do editor que também fui. O Pai aguentou todo o dia, e foi aplaudido num momento de intervenção da Teresa. Presidente do município e quatro vereadores abrilhantarm o acto. Discretas, directoras do Teatro e do Museu do Abade de Baçal: Helena Genésio, Ana Maria Afonso. Vários escritores.
Após discursos de Hernâni Dias, Amadeu Ferreira, José Manuel Mndes e José Eduardo Franco este, à volta de Fernão de Oliveira e O Romance do Gramático , veio discurso meu. Segue:

Inaugurei a celebração de 40 anos de vida literária, hoje culminando em jornada para mim comovente, com o lançamento de colectânea de poemas ‒ Do Movimento Operário e Outras Viagens ‒ e do romance A Casa de Bragança. Ora, em final de capítulo deste, a propósito da justeza e bondade do rei D. Pedro para com a cidade, escrevi o seguinte: «Pão e vinho eram, nestas terras, meia mantença; a gratidão, vida inteira de transmontano, que no príncipe se revia.»
É de alma cheia, e reconhecido a esta terra, que me cumpre agradecer ao executivo municipal, relevando a interlocução da vereadora da Cultura e de Fátima Martins. Com esta trabalhara já no executivo do Eng. António Jorge Nunes, que também saúdo (grato pelo seu depoimento fílmico), sob cujo impulso nasceu a Academia, agora dirigida pelo querido Amadeu Ferreira, ausente por razões de saúde, mas bem coadjuvado pelo vice-presidente, que não se furtou a esforços para esta realização.
A ideia, contudo, desta selecta reunião partiu do realizador Leonel Brito, caucionada por Teresa Martins Marques. Esta sabe bem que sou avesso a tais comemorações. Nessa cumplicidade, moveu aquele montanhas, e gizou um programa de que só parcelarmente fui tomando conhecimento. Propus uma manhã, em que falassem duas autoridades: José Manuel Mendes, com quem estive na sua primeira direcção da Associação Portuguesa de Escritores, que ainda capitaneia, e, por razão de agenda, se fez substituir com um notável texto de síntese, e José Eduardo Franco, director de um centro de investigação (de que sou director-adjunto), cujo feito mais recente é a conclusão de um António Vieira em 30 volumes, em que aparece a nossa Academia de Letras como patrocinadora. Tendo ele escrito sobre o nosso primeiro gramático, editado a Gramática da Linguagem Portuguesa (1536) e recenseado O Romance do Gramático, que editei em 2011, estava calhado para um convite. Mas, entretanto, estava almoço combinado, no Solar Bragançano aonde, no fecho de A Casa de Bragança, também se dirigem as personagens ‒ que, às vezes, é bom imitar; e, para justificar esse pão e vinho, alargou-se a festa, na esperança de que a hora pós-prandial não faça adormecer a mesa-redonda.
Nesta, estão amigos chegados ‒ Pinelo Tiza, Alberto Fernandes, Teófilo Valdemar, Mara Cepeda, Marcolino Cepeda ‒, enquanto outros se viram incapacitados de acorrer, dada a brevidade na preparação do evento. Poderiam estar no documentário ‒ e nomes há que se repetem: Teresa Martins Marques, José Mário Leite, Neto Jacob, Hirondino Fernandes ‒, mas, no entretempo, o guião remeteu para o momento genesíaco de 1973 ‒ melhor, entre 1971 e 1974 ‒, sem prejuízo de um balanço factual e estético por Amadeu Ferreira e José Manuel Mendes. Como A Casa de Bragança fechava a cúpula de quatro decénios, versaram-na José Mário Leite ‒ amigo há 47 anos ‒, o editor António Baptista Lopes e quem, intelectual maior agora com 92 anos, me dá a honra de fartas conversas no Jardim da Estrela: José-Augusto França. Carlos Pires publicou os meus primeiros versos, aos 14 anos, no Mensageiro de Bragança; nesse 1971, troquei o Seminário de S. José pelo Colégio de S. João de Brito, conhecendo, entre leituras heteróclitas, Desidério Martins e a malta d’O Grupo, título de jornal, de que, hoje, só encontro António Ramos Preto e Alcides Rodrigues.
Estes, por quem me chegaram os dilectos Alberto Fernandes, Victor Rodrigues, António Augusto Coelho Alves, José Nobre, apanhei-os no então 7.º ano do Liceu Nacional, quando aqui ingressei, no 6.º ano, colega de José Mário Leite (abandonara o seminário) e Neto Jacob, que evoca a nossa equipa de andebol. Eu estava mais para xadrez, livros e jornais, nesse 1972 publicando, já, versos no Diário Popular, tal como Desidério Martins, com que nos vimos antologiados por Maria Alberta Meneres em O Poeta Faz-se aos Dez Anos (Assírio & Alvim, 1973). Neste ano, já dirigindo a página literária do Mensageiro de Bragança, estreei-me em livro, culpado do incómodo que vos dou.
Inconvencional teve apoios fundamentais: Domingos Neto, autor da capa, e Alcides Rodrigues, a quem ofereci texto-base, que (surpresa!), me devolveu há semanas. Meu Pai foi decisivo: 500 exemplares custavam sete mil escudos; pedi-lhe cinco contos, pois, entretanto, recuperei dois mil escudos, nas vendas, e assim paguei a quarto mosqueteiro, Frei Henrique Perdigão, chefe das máquinas nos franciscanos de Montariol, Braga.
Em noite diluviana do mês de Maria, acolheu ele o noviço das letras, banqueteou-me em mesa austera, levou aos granéis de Inconvencional e ofereceu generosa cela. Revimo-nos 33 anos depois. Eu estava na Feira do Livro e contava a Vergílio Alberto Vieira essa primeira ida a Braga, quando a Teresa impôs subida. Boleados, dirigi-me à portaria: «Frei Perdigão ainda é vivo?» Eis uma frase camiliana. Camiliano é o início de A Casa de Bragança: «Eu tinha oito anos e nada sabia de mim.» Vejam o início de Mistérios de Lisboa: «Era eu um rapaz de catorze anos, e não sabia quem era.» Do frade eu guardava memória de ser de muitos dias. E o recepcionista, espantado: «Sim. Está além a conversar com umas pessoas.» A sala era obscura; eu estava em vésperas de um descolamento de retina. Vislumbrei um ainda poderoso frade, aos 69 anos, que, encerrada a gráfica, explorava o húmus do convento em ervas e medicinas do corpo. «Frei Perdigão?» «Sim. Quem me procura?» «Sou Ernesto Rodrigues.» «Não é de Bragança, pois não?» Ele não aceitava que aquele cinquentão substituísse retrato antigo, ousado como o menino do poema oitavo d’O Guardador de Rebanhos. «Sim, sou.» «Não me diga!» E desatou no elogio da obra e criança que, fora de horas, batera à porta do silêncio… Vivi cinco anos dentro das paredes de dois seminários, mas tive naquele frade o único abraço caloroso de um ministro do Céu. Não é pouco, se isso deram uns versos mal-educados, com palavras feias manchando os caracteres da tipografia divina.
Não se imagina, com efeito, o impacto desse livro na placidez de cidade perfilada atrás das autoridades civis, militares e religiosas, cuja moral defendiam legionários e informadores da Pide. Abria com “Poemas em café democrata”, referência ao Chave d’Ouro e às potencialidades, também estéticas, da democracia. Pasmo, aqui e ali, da virulência de juventude, cínica e politizada nos termos, mas, sobretudo, no desconcerto entre título e texto (v. g., “Poema a olhar uma cabra”). Como podia suportar um regime atrás das fragas – «e afinal a política está de cama», resumi – esses “Poemas em café democrata”, tanta desobediência e subversão? Passeavam-se Mário de Sá-Carneiro, Pascoaes e Régio, sugestões de José Gomes Ferreira, Eugénio de Andrade... Notava-se a queda para ‘histórias’, para uma narratividade que me persegue; tinha imagens fortes: a «espera destilada / e cinzenta da concepção», ou, encostados à Sé, vendo «Velha virgulada [que] passa na estrada». Os colegas abriam na p. 41, onde se fechava aventura de uma infeliz, socialmente explorada, a quem a hipocrisia chamava «puta reles». Era um crime de lesa-poesia, como descrever as dores de parto de um animal, abrindo naturalmente por «Tudo lhe doía», e, quando primeiramente saído no Mensageiro de Bragança, ser o padre Manuel Sampaio chamado à pedra pelo senhor bispo Manuel de Jesus Pereira… Eis um retrato, pálido embora, do quadro mental bragançano, nos idos de 70, e como a arte mexe com a opinião, altera comportamentos, derrui e reconstrói formas de expressão ‒ a começar numa capa insólita, que até se atrevia a dar lugar a um preto…
Sou um homem que acredita ‒ ou não estaríamos aqui; em segundo lugar, e fecho de discurso, faz-me bem provar gratidão ‒ à autarquia, à Academia, a Leonel Brito, ao editor do também último romance, Passos Perdidos, e da minha Biobibliografia em volume, bem como ao pessoal da Biblioteca, expondo livros que nela ficarão ‒, provar gratidão, dizia, pois, conclui personagem de romance inédito, «A ingratidão cria musgo no coração dos homens». É limpo e inteiro que agradeço tantas atenções.


Almoço no Solar Bragançano deixou-nos com água na boca: se não deixássemos a festa a meio, não havia mesa-redonda, moderada por António Tiza. O filme de uma hora ficará como documento mais importante sobre publicações desde 1969, como prova Biobibliografia ofertada aos presentes. Da Bibliografia expus parte, em cinco vitrinas. Sobre as primícias discorreramm Alcides Rodrigues, Carlos Pires, José Mário Leite, Frei Henrique Perdigão, Desidério Martins, Neto Jacob, Teresa Martins Marques, e, já em visões de conjunto da obra, José Manuel Mendes, Hirondino Fernandes e Amadeu Ferreira, enquanto José-Augusto França curou de A Casa de Bragança, o editor António Baptista Lopes descreveu relação antiga, desde Torre de Dona Chama (1994), e António Jorge Nunes falou da relação entre o autarca-presidente e o primeiro presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes. Auto-apresentação de Passos Perdidos encerrou tarde e jornada muito concorrida pela Imprensa.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Ernesto Rodrigues: 40 anos de vida literária

Culminam em 13 de Dezembro, no Centro Cultural Adriano Moreira, em Bragança, os 40 anos de vida literária de Ernesto Rodrigues (1956), cujo primeiro evento foi o lançamento simultâneo de A Casa de Bragança, romance, e Do Movimento Operário e Outras Viagens, poesia (2013).
Iniciativa do município de Bragança e da Academia de Letras de Trás-os-Montes, intervirão os respectivos presidentes, Hernâni Dias e Amadeu Ferreira, bem como José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores, e José Eduardo Franco, director do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa, versando obra já vasta.
Mesa-redonda ‒ participada por Teresa Martins Marques, José Mário Leite, Neto Jacob, Hirondino Fernandes, António Pinelo Tiza, Alberto Fernandes, Teófilo Valdemar, Mara Cepeda, Marcolino Cepeda ‒ precede o lançamento do seu quinto romance, Passos Perdidos (Âncora Editora), sobre o discurso e jogos parlamentares.
Segue-se apresentação de documentário do realizador Leonel Brito, com depoimentos de Alcides Rodrigues, Amadeu Ferreira, António Jorge Nunes, Carlos Pires, Desidério Martins, Frei Henrique Perdigão, Hirondino Fernandes, José-Augusto França, José Manuel Mendes, José Mário Leite, Neto Jacob, Teresa Martins Marques, sobre o poeta estreado em 1973, ficcionista, cronista, crítico, ensaísta, editor literário, tradutor e docente na Faculdade de Letras de Lisboa, cuja bibliografia ficará exposta na Biblioteca Municipal, a par de fotografias confrontando a cidade dos anos 60-70 e 2014.

Passos Perdidos: sinopse

Um banco de investimento quer vender projecto de lei a deputado democrata-cristão há 40 anos sem intervenção no plenário da Assembleia da República. Quem é João Félix Filostrato? a que se deve esse silêncio?
No quadro de iniciativa mediada pela assessora do grupo parlamentar, Salomé, que promove encontro com o economista-chefe João Félix Exposto, Nádia e o estagiário João Félix, também narrador, sobressai a jornalista Joana, por quem passa a história do eleito e a solução de alguns enigmas. Na sombra, emerge deputada da oposição, cuja biografia se cruza com a deste. Como se organiza a queda de um anjo? Entre comportamentos oblíquos e identidades sempre esquivas, um deputado-borboleta da extrema-esquerda torna-se vítima de predadoras­ e perdedoras, que visam vingança em várias frentes.
Quase dois séculos de regime parlamentar e discursos inócuos ou repetitivos reflectem outros tantos passos perdidos que a Constituição de 1975 e legislaturas fracas não transformaram. Reflexão sobre a democracia em semana pascal, esta fábula política é salva, no final, por um bem enredado discurso amoroso.   

sábado, 12 de abril de 2014

Gente do Norte


Gente do Norte ou A História de Vila Rica (1977), de Leonel Brito, é uma docuficção em renovada sintaxe, que faz deste filme pequena obra-prima em menos de uma hora.
Na linha de experiências de Manoel de Oliveira ou João César Monteiro, o pós-Abril trouxe um interesse crescente pelas manifestações populares (cultura intersomática ou social) maioritariamente centradas no Alentejo e em Trás-os-Montes, bem como por casos de cooperativa, de pequena e grande empresa ou fábrica, em que pulsava o voto de uma democracia alargada.
No exemplo transmontano, tínhamos Oliveira e co-realizadores em O Acto da Primavera (1962), seguindo-se Alfredo Tropa, Pedro Só (1971), Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada (1973), de Manuel Costa e Silva, e Falamos de Rio de Onor (1974), de António Campos. Sucederam Trás-os-Montes (1976), de António Reis e Margarida Cordeiro, Máscaras (1976), de Noémia Delgado, e Argozelo ‒ À Procura dos Restos das Comunidades Judaicas (1977), de Fernando Matos Silva.
Ora, neste ano, uma nova cinematografia emerge com Leonel Brito: não é só o trabalho de campo, de décadas, que vultos eminentes da filologia e das ciências sociais já tinham operado na região, acrescidos de musicólogos ‒ que o mesmo realizador segue em Encomendação das Almas (1979), onde também não falta o inquérito; nem tão-só um esboço de ficção, a caucionar o folclore, embora pequenas histórias, geralmente dramáticas, se encaixem na diegese. É, a par disso, um lento olhar picado do alto da serra, único a abarcar a grandeza de uma paisagem, rude e tirânica («Entra nos olhos e não sai mais», dizia Torga, no Diário XIII, que só essa tirania aceitava), da qual se desce ao indivíduo comum, para, lenta, a focalização abrir à comunidade – e, nessa alternância, contar-se a história económica, social, religiosa e política de Torre de Moncorvo, ‘vila rica’ de minério e regra legionária à sombra do templo, agora afrontada por anseios legítimos do retornado, emigrante, camponês, asilado, estudante.
Se o sociológico reforça uma etnologia que, a mais das vezes, se quedava na descrição, a novidade está em que, nesse alternar de paisagem física e humana (e, dentro daquela, entre uma grandiosidade e a típica casa decadente; e, dentro desta, entre sujeito e grupo), se abisma uma narrativa, circulando entre carpires na igreja e passagem do féretro na praça, com cena final do comboio ironicamente partido para segunda morte ou fim da linha, enquanto não chega terceira (prenunciada no casario da barragem do Pocinho), quando a beleza da Vilariça, decisiva no alardo de D. João I, ficar submersa por outra barragem. A praça, entre indiferente e expectante, pode ser a última esperança de sobrevida; percebe-se uma estratificação social; a menina ceguinha, suas rezas e vinho fino, são de um tempo revoluto; quem tem unhas toca guitarra, mas a desertificação é inelutável, mau grado a iniciativa de retornados ou emigrantes. O risco do jogo em feira ou taberna é improdutivo; as minas são, regularmente, notícia de futuro. Este filme ‒ no que estuda, documenta, deixa de nostalgia ‒ torna-se, sobretudo, um desafio…
…Também narrativo, cuja sintaxe ou montagem importa relevar. Há um texto (excelente, de Rogério Rodrigues; neutramente lido, para melhor sobressair a melopeia da frase, assente em discretas repetições) que vai a par ‒ como a vida vai a par do baptismo e do casamento, da festa e do baile, da igreja e da feira, do rio e da linha do Sabor, acontecendo, em cada momento desses, um sobressalto. Este dá-se, ainda, na mudança de planos (e, nestes, quem percebe logo vir aí um açude vertendo-se em catarata?) ‒ numa sequência de quem conhece o seu chão ‒, na batida musical de José Mário Branco, nos depoimentos bem gravados, quando o som era um bico d’obra no filme português… O cenário sai cumulado na fotografia de Elso Roque, cujo esplendor é via real para uma obra-prima. 


[Nota: Vimos este filme, ontem, 11 de Abril, na Cinemateca, ao lado de Leonel Brito.]           

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

À conversa, no programa AGORA, da RTP 2, em 12 de Janeiro:

http://www.rtp.pt/play/p1235/e140447/agora

José do Carmo Francisco (transportesentimental.blogs.sapo.pt) sobre A Casa de Bragança

Podia ter como título «A cidade suspensa» este misto de Natureza e Cultura, Geografia e Memórias, Pedras e Gerações, mistura viva a cruzar uma narrativa de 282 páginas. Seu autor, Ernesto Rodrigues (n.1956), parte de uma memória («catorze gerações desde 1014») e de uma concepção de literatura («murmurado afecto») para se declarar: «Para ti, leitor posto em assédio, construo bairro de letras, onde seja agradável passear; instalo outra casa de água viva, borbulhante, que refresque e alimente; ergo um castelo de enigmas, como na infância dos homens, disposto a ser conquistado». A narrativa é organizada por Afonso Roiz, homem que, entre outras aventuras, trouxe do arraial de Ceuta a carta de foral dirigida à nova cidade de Bragança em 20-2-1464. Aqui casaram D. Pedro e D. Inês no ano de 1353 mas já em 1351 o Infante tinha caído na simpatia do Povo: «Era muito amado dos povos e mais dos pobres, aos quais em 12 de Janeiro de 1351, garantia que, à sua saída do concelho, o pão fosse vendido ao preço de um mês antes da sua chegada.» Seu filho, D. João de Portugal e Castro, fica assim descrito: «Estar bem consigo mesmo, com os próximos e maiores, enfim, com Deus, é a primeira e sólida pedra no castelo a edificar que D. João de Portugal e Castro não soube esculpir. Em troca ganhou dor no coração, fundiu-se em lágrimas, fez-se deveras contrito, levou longe o verdadeiro arrependimento, que se perdeu em Espanha e, com ele, perdeu o reino.» Organizada em 3 grupos de 14 capítulos mais 4 textos (Prólogo, Desenlace, Enlace e Epílogo), esta aventura oscila entre o passado e o presente, entre Europa e África: «deslocaram-nos para Fez em 25 de Maio de 1438, um domingo luminoso, carregados de bagagens e alimentos. As bestas de carga eram magras, sem arreios decentes e chamar àquilo cilhas era favor, imundas como a inteligência dos nosso carrascos.» Em 5-6-1443 morre D. Fernando, o Infante Santo: «O próprio Lazeraque, depois de tanto o insultar como perro e cão, de lhe atirar à cara com restos de cuscuz, ao saber disto, falou, por uma vez verdade, dizendo que D. Fernando nunca mentiu e que pecado mortal estava em quem o abandonara.» No lance seguinte da aventura, em Alfama lembrando Fez, a mulher que vem com o narrador escolhe um vocabulário simples: «trégua, guarda, espora, bandeira, estribo, elmo, toalha, fato, banco, roca, bordar, frasco». O narrador fala de si («Estou velho e acabado. Há trinta e três anos perdi o último avô. Tenho sessenta e seis») lembrando uma frase que é uma divisa: «Quem teme a morte perde o prazer da vida». Aventura fascinante que não se explica em poucas linhas, este livro oscila entre Literatura e Jornalismo, entre dois tempos sociais (Quatrocentos / Século XXI) e também pessoais : «Este país que eu também sou, esteve à beira do abismo de ser grande, ao fechar Quatrocentos laborioso. Porque feneceu?» (Edição: Âncora Editora, Capa: Sofia Ferreira de Lima, Foto: Nuno Calvet)