domingo, 22 de março de 2020

Pandemia






Um vírus atravessa continentes.

Tem incubação lenta, como se

fosse este poema. Não se trata

de morrer à nascença, o que só

aos pobres acontece. Nem é fome,

que alimenta vidas de milhões.

Clima, poluição, bombas, também

lhes fazem mal. O nosso mundo,

todavia, é outro. Treme, porque

um vírus mau, de súbito, engana

quem não vê, não quer ver, foi apanhado

na teia que lhe dava mais-valias.



Assim, somos milhões dentro de casa,

temendo-nos de monstro invisível.

Os sem-abrigo fogem para onde?

onde refugiados, infelizes

de mundo que julgávamos alheio?

Há um barco somente, um dilúvio

geral, distribuído por nós todos.

Gotículas que matam serão nossa

respiração, se dermos um abraço

a outrem, à limpeza de mãos, à

higiene da alma. Nesta rede,

cai oceano, não um peixe triste.



Ninguém está preparado para guerra

que se julgava breve; mas subtil

é este inimigo: mata menos

do que poluição, onde se gasta

sem cuidar do futuro; menos do

que fósseis suicidas, ditaduras

de sorriso lavado em petróleo.

Atinge-nos, porém, sem ver a quem,

nessa cegueira que se não distingue

do enlevo narciso recriado

por uns tantos senhores invisíveis.

Humanidade não é isto, sim



um concerto de vozes dissonantes,

com que um novo tipo de progresso

tenha lugar. A dor de uns é nossa,

cedo ou tarde. Nada serve curto

prazo de gozo, diluído em

seis, sete zeros à direita, se

deixamos tudo, nem memória fica.

Vive, poema, quarentena grave,

té reverteres ao Verão, ao Sol,

Ao Vento, energias do porvir.

Não afastes do centro brancos, negros,

onde devera ser um arco-íris.



Precisa guerra – combater um vírus,

que maldade, inconsciência criam.

A vitória será desigual, inda

aí; seja lição, o egoísmo

turve-se, que em pântano reflecte.

Quando a História contar da pandemia,

veremos se há números, se homens.

Resta louvar quem, médicos e outros,

não olha ao quê, age porque sim.

Humilhação: ou mudas pra melhor,

ou virão novas. Testes positivos

devem arrepiar humanidade.