Ernesto Rodrigues, O BOM GOVERNO
(Lisboa, Guerra & Paz, 2024)
Um governo de cem ministros trabalha de noite e levanta-se
às vinte horas, para ouvir o primeiro-ministro no telejornal, que os cidadãos
não vêem. Cada gabinete tem cem funcionários, mas nenhum pode ser mais alto do
que o seu ministro. São titulares dos Negócios Estranhos, da Propaganda, do Betão,
da Apneia, dos Equídeos, das Boas Intenções… –, enquanto vendem a província ao
estrangeiro.
Sobressai o da Alta Cultura ou do Verniz, octogésimo no
elenco: compensa a humilhação do lugar com pentear-se e vestir vincadamente e,
em cada inauguração, levar a tiracolo uma assistente, mais nova do que a
anterior, até parecerem bisnetas.
Após 50 anos de sono e ignorância, ele será
primeiro-ministro, ajudado pelo narrador, que, no incumprimento de promessas, se
afasta, antes de chefiar um executivo sóbrio, visando o melhor governo, segundo
Goethe: «O que nos ensina a governar-nos a nós próprios.»
Uma distopia? Sim. Tão séria, que se confunde com a
realidade que nos calha tantas vezes em sorte.
…E, no quadro de uma literatura portuguesa educada e sem
‘graça’, o leitor perceberá como a ironia constrói uma obra inteligente.
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