segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

José do Carmo Francisco (transportesentimental.blogs.sapo.pt) sobre A Casa de Bragança

Podia ter como título «A cidade suspensa» este misto de Natureza e Cultura, Geografia e Memórias, Pedras e Gerações, mistura viva a cruzar uma narrativa de 282 páginas. Seu autor, Ernesto Rodrigues (n.1956), parte de uma memória («catorze gerações desde 1014») e de uma concepção de literatura («murmurado afecto») para se declarar: «Para ti, leitor posto em assédio, construo bairro de letras, onde seja agradável passear; instalo outra casa de água viva, borbulhante, que refresque e alimente; ergo um castelo de enigmas, como na infância dos homens, disposto a ser conquistado». A narrativa é organizada por Afonso Roiz, homem que, entre outras aventuras, trouxe do arraial de Ceuta a carta de foral dirigida à nova cidade de Bragança em 20-2-1464. Aqui casaram D. Pedro e D. Inês no ano de 1353 mas já em 1351 o Infante tinha caído na simpatia do Povo: «Era muito amado dos povos e mais dos pobres, aos quais em 12 de Janeiro de 1351, garantia que, à sua saída do concelho, o pão fosse vendido ao preço de um mês antes da sua chegada.» Seu filho, D. João de Portugal e Castro, fica assim descrito: «Estar bem consigo mesmo, com os próximos e maiores, enfim, com Deus, é a primeira e sólida pedra no castelo a edificar que D. João de Portugal e Castro não soube esculpir. Em troca ganhou dor no coração, fundiu-se em lágrimas, fez-se deveras contrito, levou longe o verdadeiro arrependimento, que se perdeu em Espanha e, com ele, perdeu o reino.» Organizada em 3 grupos de 14 capítulos mais 4 textos (Prólogo, Desenlace, Enlace e Epílogo), esta aventura oscila entre o passado e o presente, entre Europa e África: «deslocaram-nos para Fez em 25 de Maio de 1438, um domingo luminoso, carregados de bagagens e alimentos. As bestas de carga eram magras, sem arreios decentes e chamar àquilo cilhas era favor, imundas como a inteligência dos nosso carrascos.» Em 5-6-1443 morre D. Fernando, o Infante Santo: «O próprio Lazeraque, depois de tanto o insultar como perro e cão, de lhe atirar à cara com restos de cuscuz, ao saber disto, falou, por uma vez verdade, dizendo que D. Fernando nunca mentiu e que pecado mortal estava em quem o abandonara.» No lance seguinte da aventura, em Alfama lembrando Fez, a mulher que vem com o narrador escolhe um vocabulário simples: «trégua, guarda, espora, bandeira, estribo, elmo, toalha, fato, banco, roca, bordar, frasco». O narrador fala de si («Estou velho e acabado. Há trinta e três anos perdi o último avô. Tenho sessenta e seis») lembrando uma frase que é uma divisa: «Quem teme a morte perde o prazer da vida». Aventura fascinante que não se explica em poucas linhas, este livro oscila entre Literatura e Jornalismo, entre dois tempos sociais (Quatrocentos / Século XXI) e também pessoais : «Este país que eu também sou, esteve à beira do abismo de ser grande, ao fechar Quatrocentos laborioso. Porque feneceu?» (Edição: Âncora Editora, Capa: Sofia Ferreira de Lima, Foto: Nuno Calvet)

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