segunda-feira, 28 de setembro de 2020
quinta-feira, 11 de junho de 2020
Literatura Europeia e das Américas
Outubro de 2019
ISBN–978-989-8916-91-4 (edição em papel); 978-989-8916-90-7(edição em formato electrónico)
domingo, 22 de março de 2020
Pandemia
Um vírus
atravessa continentes.
Tem incubação
lenta, como se
fosse este
poema. Não se trata
de morrer à
nascença, o que só
aos pobres
acontece. Nem é fome,
que alimenta
vidas de milhões.
Clima, poluição,
bombas, também
lhes fazem mal.
O nosso mundo,
todavia, é
outro. Treme, porque
um vírus mau, de
súbito, engana
quem não vê, não
quer ver, foi apanhado
na teia que lhe
dava mais-valias.
Assim, somos
milhões dentro de casa,
temendo-nos de
monstro invisível.
Os sem-abrigo
fogem para onde?
onde refugiados,
infelizes
de mundo que
julgávamos alheio?
Há um barco
somente, um dilúvio
geral,
distribuído por nós todos.
Gotículas que
matam serão nossa
respiração, se
dermos um abraço
a outrem, à
limpeza de mãos, à
higiene da alma.
Nesta rede,
cai oceano, não
um peixe triste.
Ninguém está
preparado para guerra
que se julgava
breve; mas subtil
é este inimigo:
mata menos
do que poluição,
onde se gasta
sem cuidar do futuro;
menos do
que fósseis
suicidas, ditaduras
de sorriso
lavado em petróleo.
Atinge-nos,
porém, sem ver a quem,
nessa cegueira
que se não distingue
do enlevo
narciso recriado
por uns tantos
senhores invisíveis.
Humanidade não é
isto, sim
um concerto de
vozes dissonantes,
com que um novo
tipo de progresso
tenha lugar. A
dor de uns é nossa,
cedo ou tarde.
Nada serve curto
prazo de gozo,
diluído em
seis, sete zeros
à direita, se
deixamos tudo,
nem memória fica.
Vive, poema,
quarentena grave,
té reverteres ao
Verão, ao Sol,
Ao Vento,
energias do porvir.
Não afastes do
centro brancos, negros,
onde devera ser
um arco-íris.
Precisa guerra –
combater um vírus,
que maldade,
inconsciência criam.
A vitória será
desigual, inda
aí; seja lição,
o egoísmo
turve-se, que em
pântano reflecte.
Quando a
História contar da pandemia,
veremos se há
números, se homens.
Resta louvar
quem, médicos e outros,
não olha ao quê,
age porque sim.
Humilhação: ou
mudas pra melhor,
ou virão novas.
Testes positivos
devem arrepiar humanidade.
segunda-feira, 3 de junho de 2019
Na morte de Agustina Bessa-Luís
Agustina
Bessa-Luís (15 de Outubro de 1922), que lembramos na sua jamais temida morte (3
de Junho de 2019), mostrou como as mulheres da região Norte lutam contra os
valores patriarcais, se define a arrogância de burgueses endinheirados,
enquanto reflecte sobre o poder (O comum
dos mortais, 1998) e não evita um olhar conservador sobre a emancipação
feminina (Jóia de família, 2001).
Gerações de estudantes conheceram-na em A Sibila (1954), mas,
entre as dezenas de títulos desde 1948, salientaríamos O mosteiro
(1980), em que se coroa a sua «agressividade de imaginação», incomum no meio
português.
Sejam
biografias romanceadas ou romances-biografias subentendendo ou adaptando
realidades nacionais diversificadas, a arte da composição assenta em
apontamentos narrativos e aforismos, num olhar agudo sobre as relações
província/cidade, emigração, a força da televisão, o pícaro, o passional no
século XIX (na admiração por Camilo), a confissão como género, a defesa do
desejo, o elogio da velhice, quando não é sarcástica sobre os escritores, a
ditadura, no que se diz do país, onde «a família é a única perversão possível»
(O mosteiro, p. 71). Há crueldade na
junção de opostos, caracterizando os seres no seu calculismo: «brutalidade
honesta», «atroz simpatia», «doçura drástica»...
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019
No adeus a João Bigotte Chorão
A Pedro Mexia
Vai a enterrar João Bigotte Chorão (Guarda, 1933),
que faleceu anteontem, 23, em Lisboa. Despedimo-nos na igreja do Campo Grande; mas
lembrarei, sempre, a tarde que Teresa e eu passámos em sua casa, em 20 de
Dezembro, numa esperançosa conversa com a esforçada Mulher, Maria José Mexia.
João Bigotte Chorão é
celebrado como camilianista. Com efeito, é exemplar a diligência do seu Camilo. Esboço de Um Retrato (1989), 2.ª edição revista de Camilo. A Obra e o Homem (1979).
Propõe-se, no Prefácio, aproveitar da vida de Camilo «o que for indispensável
ao conhecimento da obra». Recusando, por um lado, «o biografismo exaustivo e
anedótico» e, por outro, «o texto completamente autonomizado do autor»,
reconhece que «Este livro não é uma biografia, nem um ensaio de interpretação
literária, nem uma tese universitária», mas «uma síntese da vida e da obra de
Camilo». Explicitamente, convoca «esse leitor, estudante ou homem da rua,
tantas vezes perdido no labirinto camiliano».
Para melhor o conhecer, talvez
se deva começar pelo álbum de família, por eleição espiritual, que é Galeria de Retratos (2000), onde retoma
o desenho de O Escritor na Cidade
(1986). Por ordem cronológica, apresenta sínteses de Camões, Vieira, Garrett,
Camilo, Carlos Malheiro Dias, Almada, Francisco Costa, Régio, Torga, Moreira
das Neves, Álvaro Ribeiro, António Quadros, Afonso Botelho, antes de passar a
brasileiros (Alceu Amoroso Lima, Drummond, Lúcio Cardoso, diaristas, Marcos
Barbosa, Nelson Rodrigues), um castelhano (Unamuno), italianos (Papini, Piero
Bargellini), romenos (Eliade, Vintila Horia).
Textos saídos na Imprensa
entre 1971 e 1998, afora dois inéditos, somente o primeiro, «Camões, poeta para
um tempo de desastre», de 1976, cede ao ar do tempo, na analogia com «época de
sabotagem moral em que parece que é proibido ser português em Portugal» (p.
12). Outro modo de lermos esta colectânea encontra-se na reiterada afirmação de
uma vívida portugalidade, mesmo quando nos apresenta estrangeiros. Neste ponto,
a notícia de um diário inédito de Mircea Eliade sobre os seus anos portugueses
(p. 227) é uma revelação.
Seja qual for a opção de
leitura, podemos circunscrever três nomes e avaliá-los segundo trabalhos de
Bigotte Chorão: Camilo, aqui na complexa relação com as mulheres e, em
especial, Ana Plácido; Malheiro Dias, que curou em Carlos Malheiro Dias na Ficção e na História (1992), retomado
enquanto destinatário de carta inédita de Amoroso Lima; e Garrett, recuperado
de prefácio às Viagens na Minha Terra
(1998), esse «livro seminal» (p. 39).
Quanto ao diarista, podemos
começar por vê-lo num arco temporal que vem de 1958 a 1999.
Dos cinco «livros» que
compõem Diário Quase Completo (2002),
três eram conhecidos: O Discípulo
Nocturno, 1965, com que se usa referir a estreia do autor; Aventura Interior, 1969; O Reino Dividido, 1999, sobre que se
debruça a páginas 584-586. A demais bibliografia de Bigotte Chorão percorre
nomes aqui e ali retomados: João de Araújo Correia, Carlos Malheiro Dias, Tomaz
de Figueiredo e, sobretudo, Camilo Castelo Branco, única ‘família’ a que
reconhece pertencer; por extensão, a «honrada família dos que na solidão da
agonia gritam ao distante céu nocturno o seu abandono» (p. 27).
Isto tem consequências na
atitude do criador, em exílio interior e no seu país, bem como na recepção de
uma obra, com lembretes e retratos que também definem a nossa realidade
cultural. Mas outros encontros se sucedem: Aquilino, Almada, Ferreira de
Castro, Francisco Costa, Joaquim Paço d’Arcos, João Maia, etc., além de
brasileiros, italianos e romenos. A Itália de Papini vai de seduzi-lo, já
inebriado por tantos artistas e cidades, em particular Florença, que lhe
arranca as melhores páginas. O também diarista Vintila Horia exilado em Espanha
é-nos apresentado como um aristocrata do espírito, essoutra linhagem de que
todos desertam. A grande inspiração nacional, que desagua em memorável
convívio, chama-se, porém, Torga: ideologicamente diversos, provada fica a
triste pendência de uma nação dividida (e tanto se critica o marxismo como
certos meios católicos ou de direita); dentro da memorialística, é nome regular
no debate sobre a expressão do diário, a partir dos seus melhores cultores.
Esta poética convoca
ainda, além de Soffici, Pavese, Mircea Eliade, Ionesco, Léautaud, Ernst Jünger
e Lúcio Cardoso, a trindade Montaigne, Amiel e Gide, «que apenas quiseram ser espectadores
do grande teatro do mundo» (p. 33), cujo «totalitarismo» e mesmo insinceridade
se recusa. Em contrapartida, o Journal de Julien Green, «itinerário para o
invisível» – já «maior empenho social» (p. 41) no de Torga – fá-lo diarista regular.
Considerado o «mais híbrido» dos géneros, dele aproveita J. Bigotte Chorão «a
crítica impressionista, [...] o plano de ensaio, a reflexão intemporal,
o comentário circunstancial», incluindo a confissão «na terceira pessoa» (p.
38).
Sem exigir uma ordem na leitura, e acompanhando momentos altos de duas
gerações, o desassombro desta prosa cuidada e a variedade do homem de cultura
são companhia excelente para os nossos dias. João Bigotte Chorão ascendeu à
galeria dos grandes diaristas.
…E um Amigo nunca nos deixa.
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